Sobre minha mãe, minha obesidade e meu amor próprio.

Minha infância foi recheada dos mais doces sabores pelas mãos da minha querida mãe, com os bolos decorados, das festinhas na garagem, dos docinhos de marzipã pintados à mão, das tortas salgadas, dos sorvetes caseiros, do bolo gelado, do pudim de pão, da bandeja gigante de bolinhos de chuva com açúcar e canela - e uma bandeja sem canela pra mim. Cozinheira, boleira, apaixonada pelos sabores de infância, dos pequenos banquetes pra todos meninos da rua depois de brincar o dia inteiro no campinho da esquina. Minha mãe, das roupinhas de marinheiro, das roupas costuradas em casa, do nome escrito nas mangas. Dos uniformes branquinhos, um pra cada dia. Minha mãe me ensinou o prazer da comida boa, feita em casa e com as mãos. Mas eu sofri muito com a obesidade ao longo da vida.



Em 2015, quando eu ainda tinha 24 anos, minha mãe faleceu vítima de um câncer que ninguém sabia que ela tinha. De repente ela foi internada e alguns dias depois faleceu. O susto da morte foi somado ao susto de uma doença que por descuido e medo ela não tratou. Minha vida nunca mais foi a mesma.
Naquela época eu morava sozinho já há uns bons anos, e focava minha vida inteira no trabalho. O soco da morte da minha mãe me trouxe uma luz que nunca tinha experimentado antes. No início de 2016 eu decidi que precisava definitivamente cuidar de mim e da minha saúde, e não deixar de me cuidar como minha mãe fez.

Meu maior problema sempre foi a obesidade. Eu cresci sendo obeso e fiquei assim até os meus 26 anos. Nunca conseguia emagrecer. Fazia dietas e perdia muito peso, depois engordava o dobro. 
Desesperado procurei um médico para fazer uma Cirurgia Bariátrica. Queria a todo custo me livrar dessa sina. 
Fiz todos os exames e quando ia dar entrada para marcar a cirurgia, tive um surto. Apavorado com a ideia de me submeter a uma cirurgia tão perigosa e difícil, decidi me dar uma última chance.

Aos prantos conversando com meu então namorado eu me batia e dizia que nunca mais queria passar por isso. Lembro de subir numa balança e ver os ponteiros marcando mais de 115kgs. E eu tinha medo de me imaginar assim, mais velho, com problemas graves de saúde. Eu usava as mesmas roupas todos os dias, e todas elas estavam caindo aos pedaços, rasgando no meio das pernas, ficando puídas embaixo do braço e no pescoço. Nada me servia, nada me entrava. Eu que tanto amo e trabalho com moda... 

Milhares foram as vezes que eu saí chorando de alguma loja porque aquela calça linda não passou dos joelhos. Segurando o choro eu dizia "não gostei!" pra vendedora e saía correndo da loja querendo me jogar na frente do primeiro ônibus. Não é exagero, eu pensei em me matar várias vezes por isso. 

Todas as vezes que passei calor na época da escola porque tinha vergonha de usar o uniforme branco - e se eu ficasse sem a jaqueta preta, todos os meninos começavam a zoar. Todas as vezes que eu pulei na piscina e gritavam "baleia!", todas as vezes que me abraçavam no treino de basquete me chamando de bola. Chorava quase todos os dias quando trabalhei numa loja de roupas e quase nenhuma roupa de lá me servia. Trabalhei por anos usando apenas 1 bermuda e 2 camisas, as únicas peças de uma loja inteira de 2 andares que me serviram. Usava a mesma bermuda mesmo no inverno, suja e esgarçada.
Todas as vezes que eu mastiguei e cuspi a comida; todas as vezes que forcei o vômito no banheiro; todas as vezes que rabisquei nas paredes do meu quarto "Hunger Hurts, but Starving Works".
Naquela noite no final do ano, sentado no chão aos prantos socando meus próprios joelhos eu decidi que nunca mais iria passar por isso. Eu vou emagrecer de forma natural e sem sofrimentos, porque não pode ser impossível. Não é impossível. Eu só preciso tentar de novo.

Me dei como prazo final meus 30 anos. Eu sabia que tinha que resolver esse problema o mais rápido possível. Pesquisei, li todos os livros possíveis, todos os artigos, blogs, tudo. E achei uma força que só pode ter vindo da minha mãe.

Cortei glúten, lactose, carboidratos. Bebia 5L de água por dia. Comecei a emagrecer muito rápido. Terminei meu namoro, mudei de apartamento, adotei uma gata. Quando dei por mim, tinha perdido 30kgs. Cortei o cabelo. As pessoas não me reconhecem na rua; as que reconhecem dizem que passei por uma grande transformação. Os meninos que antes me zoavam na escola hoje me cutucam no Facebook, 3000 solicitações de amizade. Deixei de ser o gordo-baleia e virei o-cara-gato-do-Instagram. Mas sou apenas um ex-gordo.

Nada disso foi fácil. O mais fácil realmente foi parar de comer porcaria, porque de resto eu tava vivendo um turbilhão de emoções e muitas mudanças. Nos primeiros meses de apartamento novo após o término eu dormia num colchão inflável no chão, morrendo de frio. Sentia muita saudade e culpa pela morte da minha mãe. Estava sozinho no mundo. Minha única alegria era saber que eu estava emagrecendo. E fui continuando.

Após 1 ano de dieta restrita e super certinha, estagnei no meu peso atual. Mas estou bem, mais feliz e mais satisfeito. Passei por tudo isso sozinho, sem minha mãe, pra daqui da frente poder olhar pra trás e falar que eu consegui. Finalmente consegui emagrecer. Aquela imagem que eu tinha quando criança, quase que como um sonho, de que um dia eu iria subir na balança e ver apenas 2 números, eu consegui; aquele sonho de um dia entrar numa camiseta tamanho M, eu consegui - e chorei; a camisa branca que eu uso hoje sem maiores problemas representa muito pra mim - representa uma vitória contra o medo daquele menino gordo de camiseta branca do colégio apavorado por ser o gordo-baleia da aula de educação física. Dei o primeiro passo pra cuidar e olhar pra mim, enfrentando os medos e desafios de lutar contra uma doença como a obesidade.


Ainda tenho muito que melhorar. Gostaria sim de perder mais alguns kgs, fazer uma cirurgia plástica, entrar na academia, parar de fumar. Mas de todos os 26 anos que eu vivi sendo gordo, o último foi especial. Foi ali que eu consegui me libertar desse peso, literalmente, e me cuidar.

Foi em nome da minha mãe, e do meu amor-próprio, que eu consegui.

E se eu ainda tenho um caminho pra trilhar, eu sei que vou chegar lá com mais saúde - e muito mais leve.

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